sexta-feira, 6 de novembro de 2009

As gotas da chuva começaram a inundar o silêncio da noite. Logo o cheiro chegou. Respirou fundo. O dia amanhecia. Aos poucos ia clareando. Os primeiros raios desafiavam a noite e venciam as nuvens da fina chuva que caia. Mansa, era uma chuva delicada. Saiu da cama. Foi para a varanda assistir. Primeiro um calafrio. O choque do calor do ninho com a exposição do tempo. Mas aos poucos de acostumou ao frio daquela madrugada. O início de uma bela manhã. Não inundada de sol. Mas um amanhecer suave, lento e gradativo. Sabia que não poderia ainda se atirar na paisagem. As coisas anda se moviam em câmera lenta. Ela também se movia devagar, mas não era lentidão, era delicadeza. Um movimento delicado como um desabrochar de um botão. Que embora não seja fácil percebe-lo, está lá.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A noite caia. Mais um cigarro era pagado no cinzeiro. Já haviam sido vários aquele dia. O tempo caminhava lentamente. Provável tentativa de prolongar o sofrimento. Via tudo em camera lenta. Como se não pudesse se permitir desligar dos detalhes. Lá fora barulhos de carros. Mas dentro. Dentro apenas o silêncio. O vazio. Não queria estar ali. Era uma casa assombrada pelo passado. Tal como seu coração. Envelhecera, mas não havia conseguido se libertar. Sua alma estava almaldiçoada por aquelas paredes. Ainda não entendia. Como pudera amar tanto um lugar. Se encantar tanto. Para no fim, ver-se amaldiçoado. Preso. Queria sair correndo. Não encontrava forças. Como em sonhos, cada vez que tentava mover o pé, ele estava pesado, como se houvesse em seu tornozelo uma corrente, como de um prisioneiro. Queria se libertar. Queria fugir, sair desse lugar onde havia apenas sofrimento. Mas não tinha forças. Todo dia pela manhã respirava fundo e dizia a se mesmo que naquele dia teria forças suficientes. Todos os dias ao fim da tarde. Estava no mesmo lugar. Esgotado pelas tentativas vãs. Sua persistencia esmorecia. Talvez desistisse. Talvez não. Restava o amanhã.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O dia amanheceu azul. Muito azul para quem tem um coração partido. Mas corações partidos não fazem o mundo parar de girar. Caminhei pela rua e a todo tempo vi coisas boas acontecendo. Uma avó emocionada contando ao celular como estava seu primeiro neto recém nascido. Alguém se casando, cheia de sonhos e esperança. Filhotes de cachorro começando a vida. Brincando, aguardando um novo dono.
Mas nada disso conseguiu me fazer sorrir. Nem mesmo um fraco sorriso no canto da boca. Meu coração está partido. Irremediavelmente despedaçado. Não por um amor romântico. Não por uma desilusão. Estou perdendo alguém que amo. Aos poucos vejo ele se esvair. Enfraquecer. Responder menos aos meus chamados. Apesar de me referir a ele como uma pessoa. Meu melhor amigo que morre, é um cão. Um lindo cão chamado Tico. Mas que apesar de animal. Ser silencioso, eu amo muito, às vezes julgo que até demais. Meu coração está despedaçado, pois ele não morre de velhice. Morre cedo, e aos poucos. Há dias não preenche mais a casa com seus latidos, com seu jeito de chamar a atenção empurrando as coisas com o focinho ou chorando baixo pedindo a bolinha. Esta numa clínica. Sozinho. Logo ele que foi minha maior companhia. Ele que nunca me deixava chorar. Hoje não resisti. Chorei com ele. Mas ele já está muito fraco. Até mesmo para me fazer parar de chorar. Enquanto o alimentava com uma seringa, vi em seus olhos a mesma expressão de quando eu o vi pela primeira vez. Quando me apaixonei perdidamente por aquela pequena criatura, meio desengonçada, meio desproporcional. Para alguns ele era mestiço. Não me importava. Quando ele me pediu colo pela primeira vez não resisti. Ele já ganhara meu coração. Desde seus primeiros dias ele deu muito trabalho. Era milhões de pulgas, pata machucada, otite crônica. Mas todo o trabalho sempre foi recompensado com o amor. Com a felicidade que ele sempre proporcionou tanto a mim quanto a todos os outros da minha casa. Na verdade ninguém conseguiu resistir aos encantos dele.
Um cachorro tão manso que eu nunca sequer imaginei que pudesse me morder ou a qualquer outro.
Hoje ele não está aqui. E as lágrimas caem, sem que ele as faça parar. Meu coração está como já disse irremediavelmente partido. Como substituir um amor assim? Como amar de novo, depois de viver mesmo que um curto tempo com o melhor cachorro do mundo. Um bichinho que mesmo nos meus mais altos sonhos de ter um animal, não consegui criar uma imagem de um animal tão perfeito. E de um amor tão grande.
No fim do dia. Fazendo compras em um supermercado tocou a musica All we need is love, dos beatles. Nem sempre o amor é suficiente. Pois nem o maior amor do mundo vai ser capaz de afastar toda essa dor. Ou salvar o Tico.
Só quem amou muito um cão pode entender a dor de estar perdendo o Tico. E por fim realmente perdê-lo.

01/12/2003 - 20/10/2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009




Todas as manhãs era sempre a mesma coisa. Abria meus olhos. Mas não me movia na cama. Ficava quieta, apenas ouvindo os barulhos da casa. Em menos de um minuto ouvia seus passos lentos no assoalho do corredor. Permanecia quieta. Às vezes até fechava os olhos e fingia dormir. Mas ele já sabia que eu estava acordada. Em menos de um minuto lá estava ele, com o focinho me empurrando e o rabo batendo na cama. Um choro doce me pedia atenção, carinho.
- Oi Tico....
Com muitos beijos e carinhos, meu dia começava.
Chegar em casa era sempre uma festa. Sempre corria pra me receber. Sempre fazendo festa. Às vezes quando chegava de madrugada e ele estava dormindo profundamente a festa era só o barulho do rabo batendo em algum lugar da casa... Festa com preguiça.
Chorar era algo impossível, bastava as primeiras lágrimas começarem a aflorar e lá estava o Tico, desesperado, latindo, me focinhando, fazendo de tudo para me distrair e fazer com que eu parasse de chorar.
Hoje ele não tá aqui. E as lágrimas caem, sem que ele as faça parar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009



A grande ironia de Rodin, o instante antes do beijo. Condenados a eternidade da não consumação. Talvez isso seja o amor...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Não sabia quanto tempo tinha ficado sentada ali, observando a fonte. Ela havia sido desligada há alguns minutos, mas gotas teimosas pingavam... cada vez menos. Como o final da areia de uma ampulheta. Isso a lembrou que o tempo se esgotava. Já esperara tempo demais por alguém que não viria. Já sabia. Sabia-o antes mesmo de sair para o encontro. Mas tinha uma esperança, que no fundo era apenas a esperança de não desistir. Mas sabia que apenas lutava contra a realidade. Sabia que essa esperança era apenas fechar os olhos para a verdade. Ela não iria chorar. Não se arrependia de ter tentado. De ter se permitido a esperança. Era apenas uma escolha. Para muitos era isso, escolhas. Mas qualquer outra possibilidade, não tentar, desistir, não lhe ocorrera. Apenas isso.
Se levantou. Sorriu para si mesma. Satisfeita. Ela tentara, não dependia mais dela. Escapava-lhe. Com passos lentos, porém leves, aliviados. Foi embora. Começava um novo caminho.
A fonte parou de gotejar.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

Decorei este soneto, durante um amor adolescente. O declamava a todos os cantos. Estava acometida pelo amor. Encantada. Quando o amor findou, o repudiei, bem como todas as lembranças e sonhos. Julgava-o esquecido, perdido nas desilusões. Então primeiro um sonho. Nele me liberto do medo. Esqueço a desilusão. Abando as amarras do passado e aceito caminhar com os pés descalços. Hoje, sem esperar, o soneto retonou também. Tão claro como na primeira vez que o declamei ao meu antigo amor. Não acredito que eu estaja tentando desenterrar mortos. Pelo o contrário. Acho que enfim me liberto. Exorciso um fantasma. É o início da primavera. O recomeço.

domingo, 20 de setembro de 2009

Oscar Wilde
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo
qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho
questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus
de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há
de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e
peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma
exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior
alegria

Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade
seriedade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade
sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a
fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no
rosto e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios,
crianças e velhos, nunca me esquecerei de que
"normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril."

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Mais uma vez fecho meus olhos. Ainda não estou pronta para sair do topor. Sonho com um campo dourado de trigo. Caminho com minha mão tocando apenas suas pontas. Elas fazem cóssegas em meus dedos. A leveza do céu azul e do campo amarelo me acalmam. Penso nela. Minha pequena criança. Vestido florido. Correndo por ali, sem nenhum problema. Com uma única preocupação: Cercar a borboleta que voa para longe. Logo retornaria ao jardim de rosas da vovó. Lembro-me de como sonhei com você, como criei seu rosto em minha mente. Todos os detalhes que criei ao imaginá-la. Sempre corri para aquele lugar para imaginar como seria minha filha. Em meu devaneios criei diálogos, cenas. Cada palavra cada movimento no dia em que o ouro foi tingido de vermelho sangue. Vermelho como se as rosas do jardim tivessem sido espalhadas pelo campo de trigo.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

domingo, 6 de setembro de 2009

Eu estava sentada, era um lugar claro, iluminado.
Então ela veio até mim. Não a conhecia. Mas a determinação de seus passos em minha direção me fez concluir que caminhava até mim.
Ela trazia algo nas mãos. Um envelope branco. Parecia cheio, estufado.
Chegou até mim, entregou-me o envelope que trazia.
Sorriu e partiu.
Fiquei um tempo segurando aquele objeto sem saber o que fazer.
Não havia nada escrito. Totalmente em branco.
Mas era pesado. Tinha muitas coisas dentro.
Depois de analisá-lo em minhas mãos durante um tempo, decidi abri-lo.
Dentro vários outros objetos. E uma lista.
1 caixa de dimeticona
1 ________________
1________________
1________________
1________________
...
1________________
Sabia que precisava achar a conexão entre os objetos. Todos ali dentro do envelope, e também enumerados na lista. Mas não me lembro dos outros. Essa parte do sonho me escapou.
Hoje me peguei perguntando...
Quando esta noite acaba....

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

domingo, 23 de agosto de 2009

Passa uma borboleta diante de mim
E pela primeira vez no universo eu reparo
Que as borboleta não tem cor nem movimento
Assim como as flores nao tem perfume nem cor.
A cor e que tem cor nas asas da borboleta.
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
Alberto Caeiro

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

domingo, 16 de agosto de 2009

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

História.
Eis que me surpreendo sem saber como seguir. Tal como minha personagem. Fico paralisada. Enquanto ela permanece deitada, sentindo o chão. Sento-me diante da folha em branco. Talvez não tenha dado o devido tempo de maturação do texto. Talvez ele tenha se encerrado sem que eu percebesse. Ainda não sei. Precisarei de tempo. Talvez seja uma exigência da personagem. Permanecer dias, anos, na mesma posição. Até que ela esteja pronta para ir embora ou entrar na casa e para que, então, eu continue contando sua história.
A casa estava vazia há anos. Várias camadas de pó acumularam-se. Os forros sobre os móveis um dia foram brancos, mas já haviam amarelado. Vários comidos por traças. Esburacados.
As cordas do piano haviam se rompido. Tudo cheirava a pó, história e passado.
Onde havia existido um belo jardim, tudo estava seco. A terra trincada. A pouca umidade da região contribuíra pra que tudo ali definhasse.
O portão enferrujado a convidava a permanecer ali. Sem transpor os umbrais do passado.
Sempre temera retornar. Imaginara essa ação várias vezes. Adiara o momento. Fizera o máximo para não precisar ir ali.
Parada em frente ao portão, permitiu-se lembrar. Transportou-se ao passado. Sua avó, cuidando do jardim.
Horas e horas, aquela pessoa tão carinhosa de sua infância gastava catando as folhas caídas. Conversando com cada planta, cada folha. Era um jardim que causava inveja aos vizinhos. Muitas de suas amigas na infância evitavam entrar. Tinha medo do jardim. O diziam ser encantado. Ela nunca se importara, a bem da verdade, muitas vezes inventara histórias mirabolantes. E uma vez, tão tomada por suas próprias histórias quase morreu intoxicada. Riu por um instante. E nesse instante se esqueceu por que há tanto tempo não entrava ali. Era o que precisava. Deu um passo em direção ao portão. Queria correr por aquele jardim encantado. Mas o rangido do portão a trouxe a realidade. E com a mão tocando a fria grade deixou-se paralisar mais uma vez.
Na verdade quase tombou frente a tamanha descoordenação de movimentos. E assim. Quando se deu conta, percebeu que o que a sustentava, era o portão. Aquelas grades de ferro suportavam seu peso. E ela não desmoronou em frente a casa apenas por seu auxílio.
Não! Não podia agüentar aquilo. Não era a hora de entrar. Não estava preparada.
Lentamente foi se aproximando do chão. Permitindo que a atração à terra fosse mais forte que ela. Não tinha forças para resistir mais. Logo estava de joelhos. Mas precisava se aproximar ainda mais daquela terra ressequida. Queria senti-la nas mãos, na barriga, no rosto.
Deitou-se no chão.
Em frente ao velho portão deitou-se apenas.
Não olhava o céu. Seu rosto, voltado para a terra, não via nada. Apenas se deixava ser invadida pelas lembranças. Sabia que não estava pronta. Mas não tinha como voltar. Não tinha meios para se fechar novamente do passado.
Agora tudo viria.
Respirou fundo. Inalava a terra. Junto o passado entrava em seu pulmão. Corria por suas veias. Preenchendo todo o seu corpo. Como um veneno que aos poucos a consumia.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

sábado, 8 de agosto de 2009


Monet


O tempo muda a forma como vemos as coisas. No início logo ao amanhecer a luz ainda apenas se esboça. Tudo ainda é nebuloso, não se distingue as formas. O tempo age. A luz vai se tornando mais intensa, os contornos vão se delineando, as coisas ficam mais claras. É só então que enxergamos com clareza. Mas mesmo vendo as formas, cada linha, cada traço. Ainda me encanta o lusco-fusco.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

quarta-feira, 5 de agosto de 2009



Essa é musica é muito rápida.. Não consiogo acompanhá-la... Ainda estou na parte pranto já secou...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Capítulo I
Escadarias, 1
Certo, a história poderia começar assim, aqui, desta forma, de maneira um tanto lerda e lenta, neste reduto neutro que é de todos e não é de ninguém, onde as pessoas se cruzam quase sem se ver, onde a vida do prédio repercute, distante e regular. Do que se passa por de trás das pesadas portas dos apartamentos só se percebem no mais das vezes os ecos perdidos, os fragmentos, os esboços, os contornos, os incidentes ou acidentes que se desenrolam nas chamadas “partes comuns”, esses leves ruídos de feltro que os gastos tapetes de lã vermelha abafam, esses embriões de vida comunitária que vão sempre se deter nos patamares. Os habitantes de um mesmo prédio vivem a apenas algum centímetros uns dos outros, uma simples divisória os separa, partilham os mesmo gestos ao mesmo tempo, abrir a torneira, dar descarga, acender a luz, pôr a mesa, algumas dezenas de existências simultâneas que se repetem de andar em andar, de prédio em prédio e de rua em rua.
Perec, Georges. Vida Modo de Usar

domingo, 2 de agosto de 2009

sábado, 1 de agosto de 2009


Através - Cildo Meireles

De pés descalços caminho sobre cacos de vidro. Rumo conseguir transpor, atravessar. Sinto-os furando minha pele. A cada passo, somam-se cacos. Sangro, e assim deixo um pouco de mim pelo caminho. Meu próprio peso é que me fere. Mas junto a isso sinto todo o poder da escolha do próximo passo. No momento avançar ou retroceder machucará. Não comecei a caminhar sobre os cacos de forma deliberada. Apenas me dei conta do caminho que trilhava quando já estava nele.
Assim, decido avançar para o sonho, para a desrazão;
Sim, nos machucamos em busca de uma luz. E esta não é nada além de uma bola iluminada de celofane. Ilusões. Disso não escapamos.
Mas sempre podemos buscar os peixes que nadam no ar.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Lendo uma entrevista despetenciosamente, deparo-me com um trecho interessante:

"Ladra de livros, ladra também de palavras, essa escritora que não evoca em seu texto e em seu depoimento, nenhum gesto convencional do autor contemporâneo, subtamente me faz lembrar Borges, esse bruxo da linguagem, também ele ladrão de idéias e de palavras. Talvez a isso se deva esse gesto radical de depapropriação do autor: são os objetos (as palavras) que nos chamam, e não o contrário." (Entrevista - Encontros com escritoras portuguesas - Lúcia Castelo Branco)


Sempre roubamos palavras que não nos pertencem, apenas nos apropriamos delas momentaneamente. Para logo também sermos roubados...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.



As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.



O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.



O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.



Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.



Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.



Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

terça-feira, 28 de julho de 2009


A um passo de lançar-se no vazio.
A vertigem não é o medo da queda.
Mas o desejo de cair.
O medo vem da consciência desse desejo oculto.
Por um instante, faltar o chão.
Mas também não sentir o peso.
Planar na leveza do espaço vazio.
Sem culpa.
Conciliar-se com o espaço a sua volta.
Com o vazio que nos cerca.

Foto: Marilia Sette

segunda-feira, 27 de julho de 2009

domingo, 26 de julho de 2009



Folhas brancas de papel sobre a escrivaninha. Há quanto tempo elas estavam ali? O tempo passava. Estações mudavam. Vi as árvores perderem suas folhagens. O frio entristecer o dia. Depois as flores renascerem. Colorir o jardim. Mas as folhas sobre a escrivaninha continuavam em branco. Tocadas apenas pelos grãos de poeira que se acumulavam sobre elas. A primeira já tinha traços claros amarelos do tempo. Mas sua caneta permanecia imóvel, ao lado das folhas, sem tocá-las. Eu percebia todas as mudanças. Meus olhos acompanham as passagens. A forma como o tempo modificava o papel. Mas mesmo envelhecido ele permanecia em branco. O vazio branco.

sábado, 25 de julho de 2009

- Não estou lhe entendo!!!
Ele repetiu
- ____________________
- Desculpe-me mas o que você está dizendo não faz o menor sentido.
E mais uma vez o mesmo som saiu da boca dele:
- ____________________
Mas ela não compreendia. As palavras não faziam sentido. Apesar de ordenadas corretamente e conhecidas para ela. Não conseguia compreender.
Mais uma vez ele tentou dizer, com outras palavras que buscavam dar o mesmo sentido.
- _______________________________
Nos olhos dela estava claro sua perplexidade.
- Eu ouço as palavras, mas não compreendo o sentido. O que você que me dizer?
Com grande paciência ele repetiu:
- _________________________ ________________ _____________ _________ ________________ _________________ _________________
Mas ainda assim nada. Ela não conseguiria compreender. Era como se tivessem se desencontrado. Um não conseguia mais compreender o outro. Ou melhor, ela não conseguia dar sentido ao que ouvia. Tentava compreender por outros meios, observava os olhos dele, o movimento das mãos. Mesmo a respiração. Mas não conseguia traduzir nada. Estavam estagnados na incompreensão. Mas ela não tinha tanta culpa. Provavelmente se ela dissesse algo para ele tal como o que ele dizia, provavelmente ele também não a compreenderia.
Estavam os dois presos nesse dilema. Ele falava e ela não entendia. Então quando ele estava para desistir de dizer e ir embora.
Ela segurou suas mãos, olhou fundo em seus olhos, respirou fundo como se pudesse absorver o sentido pelo ar e disse:
- Repete só mais uma vez
- ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬______________________
- Imagino que sim. Respondeu com um sorriso.
Incapaz de traduzir ela simplesmente resolveu imaginar algo que poderia se adaptar e continuou.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

quinta-feira, 23 de julho de 2009

- Já está pronto? Sussurro
- Não... Ainda não... Aguarde.
Como uma criança aflita que espera o final de uma longa viagem não resisto. Pergunto de novo.
- Agora? Dessa vez em voz alta. Olhando em seus olhos.
Você sorri.
- Mulher exasperada!
Sorrio. É verdade penso. Foi uma longa jornada até aqui. Não que seja o final. Nem mesmo um novo começo. São apenas muitas as coisas que tem acontecido ao mesmo tempo em minha vida.
Mais uma vez pergunto. Docemente, como um sussurro que me escapa.
- Agora?
Dessa vez você não me responde. Apenas me olha.
O tempo é sorrateiro. Talvez tenhamos nos encontrado no espaço, mas não no tempo. Ainda mais quando o tempo passa de maneira tão diferente dependendo do lugar em que se está. Você no alto da montanha. Eu em alto mar.
Digo:
- Para você a serenidade da brisa da manhã. Para mim, os ventos e trovões de uma noite tempestuosa.
Você sabe, mas não me diz nada. Não que hesite. Apenas não chegou a hora.
Minutos se passam em silêncio. Levanto meus olhos e mais uma vez nos encaramos.
Seus dedos pousam em meus lábios.
- Será a sua perdição. Te peço, não, te imploro, não pergunte.
- É mais forte que eu.
Ainda não saiu o som da minha boca. Mas meus olhos dizem. Meu corpo diz. E os seus compreendem. Assim sem dizer mais uma vez repito.
Agora?
E você se desvanece.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

No quarto, sapatos sobre a cama, roupas espalhadas, dois corpos no chão. Abriu os olhos. Olhou ao redor, ainda era confuso como chegara àquele ponto. Ela queria, muito. Mas como? Olhou para aquele que a abraçava. Aninhou-se em seu peito. Suspirou. Seria isso que queria? A dúvida novamente aparecia. Era certo? Seria bom para ela? Provavelmente não. Gostava de repetir o erro. Não sabia como evitar. A história se repetia sempre. A mesma coisa. Por que repetir? Por que não conseguia escapar? Sabia que quando ele acordasse, a noite estaria acabada. A magia do encontro se acabaria. O mundo real os tragaria. Os problemas, tudo aquilo que já não dera certo das outras vezes.
A noite tinha sido boa. Repetir sempre, com descompromisso, sem seriedade. Era assim que eles davam certo. Diversos momentos efêmeros, sem a obrigação da continuidade. A única forma que poderiam dar certo. O mundo real não permitia que se gostassem. Apenas a fantasia do impossível era capaz de uni-los.

terça-feira, 21 de julho de 2009



Pisava nos astros distraida.....

domingo, 19 de julho de 2009

Olho mais uma vez para a mesa de apostas. Lá estão minhas ultimas fichas. A roleta ainda gira. O tec tec vai ficando mais lento. Logo irá parar. Sei que foi minha ultima jogada. Mas não tenho mais nada a perder. Espero o tempo passar. O tempo é relativo. Para mim caminha em uma velocidade. Logo a potência ira se perder e o resultado será dado.
Tec.
Tec..
Tec...
Tec....
Tec…..
Tec........
Tec.
Parou.
Ouço o som do resultado, mas não o assimilo. Meus olhos ainda estão pousados nas fichas da ultima aposta. Se venci? Apenas não será a ultima aposta e o jogo continua. O crupiê passa o rodo. Recolhe minhas fichas. É o momento de me retirar.

sábado, 18 de julho de 2009

Piscou os olhos. A claridade incomodava. A rápida oscilação entre a escuridão e a luz era mais confortável. Suspirou. No jardim a sua frente crianças brincavam, um cão corria. Uma cena de felicidade. Mas diante disso mais uma vez piscava. Ver, e não ver. Ver, mas não registrar o que foi visto. Ver, mas também esquecer. Iludia-se em afirmar que tinha seus motivos. Sua tristeza para muitos poderia ser irracional. Ilógica. Mas sentia um descontentamento dentro de si. Uma angústia. Ou seria um desassossego? Uma inquietação? Sorriu para um conhecido que encontrou. Aquele encontro a obrigaria a sair de seu estado de contemplação. Durante as próximas horas nem se lembraria do sentimento que a incomodava. Mas nesse mesmo dia, quando fosse se deitar e piscasse os olhos mais uma vez, só que dessa para se acostumar à escuridão. Como um turbilhão o sentimento retornaria. Muito mais forte e até mesmo assustador, pois durante a noite, sozinha em seu quarto, não poderia recorrer à pequenas distrações.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sentada em meu quarto, palavras brincam com meus cabelos. Saltam, rodopiam. Mas se recusam em permanecerem estáticas no papel. Tento pegá-las, mas me escapam. O que virá a seguir? Ainda não é o momento do silêncio. Mas será um momento incompleto. Pressinto algo. Olho o céu azul a minha frente. Desafia os prédios para me mostrar o entardecer. Mais um dia se vai. Hoje não temo a noite, queria poder dizer. Mas ainda estremeço diante dela. Faz muito tempo que a noite não me acalenta com bons sonhos. Adormecer tem sido apenas abandonar-me num vazio. Sem sentidos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

É o dia 23 de junho de 1975, e vão dar oito horas da noite. Sentado diante do puzzle, Bartlebooth acaba de morrer. Sobre a toalha da mesa, nalgum lugar do céu crepuscular do quadringentésimo trigésimo nono puzzle, o vazio negro da única peça ainda não encaixada desenha a silhueta quase perfeita de um X. Mas a peça que o morto segura entre os dedos, já há muito prevista em sua própria ironia, tem a forma de um W.
Vida Modo de Usar – Georges Perec

domingo, 12 de julho de 2009



Edward Hopper

As pessoas passam. Cada um com o seu caminho, apenas como figurantes na vida. Uns correndo, outros andando. O que passa na cabeça deles? A mulher sentada no bar, sozinha, olhando para o copo. Onde ela está? Quais sonhos e frustrações ela viveu? O olhar perdido no vazio não se adquire nos percalços da vida. Nasce-se com ele. E sem ele perder-se-ia da existência.
Uma árvore no topo da montanha. Solitária. Isolada de tudo. Apenas o vento pode tocá-la. Apenas ele pode alcançá-la. Às vezes calmo como uma carícia, às vezes tempestuoso como o ódio. Ela parece alheia ao mundo. Mas todos se enganam. Do alto, ela observa. Presta atenção em tudo o que acontece. Apreendendo. Atenta aos mínimos detalhes das coisas. Muitos chegam a tentar enganá-la. E muitas vezes ela fecha os olhos quando lhe é conveniente. Mas ela vê. Para isso serve sua solidão no topo da montanha. Se tivesse companhia...
O que teria sido diferente?

sábado, 11 de julho de 2009

Quadro a quadro as imagens vão se formando. Cada porção de tempo contém um traço a mais a ser somado aos outros. O espectador espera. Supõe possíveis configurações, ora acerta ora erra. Muitas vezes os traços acrescidos parecem não se conectar aos demais. Há vezes que o espectador tem a impressão que nada se modificou. Ora as modificações são tão intensas que muitas das informações se perdem. Não há respostas prontas. A vida é uma película quase infinita que sobrepõe os acontecimentos como frames que só permitem a noção de movimento quando se esquece o anterior. Apagamento, sobreposição. Explora a maior característica da lembrança que é o esquecimento. Mas a idéia de infinito desaparece, muitas vezes sem completar a imagem, outras bem depois de completá-la. Então, quando o ultimo frame aparece, o projetor se trava, sempre igual. Um fundo preto e apenas três letras. FIM

sexta-feira, 10 de julho de 2009




Brincando com som e imagem

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O Mar ia
Mal chegava
Já deixava
Apenas ia
Levava muito
Como também
Trazia
E assim
O Maria

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Mais que os diálogos do filme, amo o que não é dito.

As folhas começavam a cair. Já estavam secas. Ela observava a paisagem da janela de seu quarto. Era seu tinha muito pouco tempo, e esta era a primeira mudança de estação que podia observar dali. As ruas estavam cheias de folhas que caíram durante a noite. Tomava seu café olhando pela janela. O dia ainda amanhecia. Tímido. Mas imaginava que ainda mais agora o dia não se inundaria de luz como antes... Numa outra época e em outro lugar... Seu momento de contemplação estava acabando. Apesar da pouca luz precisava começar seu dia. Daí em diante os dias ficariam mais e mais escuros e provavelmente não iria mais poder esperar que o dia já estivesse completamente claro para iniciar seu trabalho. Tomou o último gole de café. Colocou a xícara sobre a mesa. Levantou-se. Respirou fundo. Olhou mais uma vez pela janela. Em seguida pegou a xícara vazia, deu as costas para a janela e seguiu para a cozinha. Retornou uns minutos mais tarde. Sentou-se agora de costas para a janela e contemplou a folha em branco. Mais um dia começava.

segunda-feira, 6 de julho de 2009


Maurits Cornelis Escher - Relativity (1953)


O que passou ficou na memoria. No labirinto da mente ficam as lembranças. Quando entramos nele, somos inevitavelmente devorados pelo minotauro que o vigia.
Edward Hooper













A moça pousava seu dedo indicador sobre uma tecla do piano. Qual? Não importava. Do, sol, lá, mi, nem ela saberia dizer. Seu olhar estava perdido, distante dali. Provavelmente nem se dava conta que pousava seu dedo na tecla do piano.
Ele lia o jornal. Tão absorto pelas notícias que nem sequer saberia dizer o que havia lido quando terminasse de ler.
Assim se encontrava o casal. Separados fisicamente apenas por uma pequena mesa. Mas tão isolados que poderia se dizer que se encontravam na mais absoluta solidão. Os mais aflitos logo concluiriam que já não mais se amavam. Mesmo os dois poderiam supor que já não havia amor ali, se tivesse consciência do momento e da cena que provocavam. Mas não, ainda se amavam. Pois mesmo com o amor há sempre o desencontro. E esse vazio não consegue encontrar vasos que o contorne.

domingo, 5 de julho de 2009


Just the bang and the clatter
As an angel hits the ground.

sábado, 4 de julho de 2009

Estava mais uma vez sozinha, a chuva caia lá fora, e, em seu quarto, escuro e o silêncio. Havia sons, mas não havia palavras. Eu não tinha ninguém com quem conversar. Como eu poderia explicar tudo? Nem em minha cabeça encontrava as palavras corretas, na ordem correta. Tudo estava desordenado. Tentei explicar aos outros. Acreditei que poderia existir alguém que conseguisse me explicar o que não compreendia. Poucos chegaram a me ouvir, mas não consegui nada. Todos desistiam. Logo se revelava uma árdua tarefa. Uns poucos absorveram a dúvida, mas ninguém conseguiu me explicar. Então entrei para meu quarto e lá permaneci. O tempo não importava. Calar-me parecia ser a solução, silenciar todas as palavras. Talvez esquecesse as palavras desordenadas que me afligiam. Estava esquecendo as palavras. Entretanto, não só as que desejava esquecer, mas todas. Muitas eu não soube pronunciar, esqueci dos sons. Outras pareciam mais impregnadas em meu corpo. Tentei encontrar o nome, a palavra capaz de designar o lugar onde estava sentada olhando por outra coisa que se abria para um lugar mais amplo. Não achei. Foi quando percebi que trilhava um caminho sem volta. As palavras se perderiam. Decidi pensar nas palavras que ainda me restavam. Na primeira tentativa consegui lembrar várias palavras, bem como seus significados. Eram muitas menos que um dia eu soube. Continuei ali sozinha. Sabia que o problema ainda não se resolvera. Fiz mais uma vez o teste, talvez as palavras confusas tivesse desaparecido. Sabia bem poucas, mas dentre elas ainda continha confusão. Várias vezes repeti o ritual e sempre ainda restava a confusão. Até que lembrei apenas uma palavra. Não sabia o que significava. Chuva. Foi quando tudo havia começado.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

"É preciso aprender a admirar a chuva". Escreveu a frase, tragou mais uma vez o cigarro que queimava na outra mão. Levantou a cabeça, sacudiu a franja que caia nos olhos e olhou novamente para a janela.
O som calmo da água encontrando seus obstáculos.
A chuva é a água que retorna. Ou pelo menos tenta. Nem sempre cai reta, na verdade quase sempre cai torta.
Os relâmpagos....
Bem os relâmpagos iluminam o caminho da chuva para que ela não se perca.
Os trovões....
Bem os trovões são as notas dissonantes que completam a melodia da chuva.
Numa noite de chuva não há estrelas. É um momento em que se retira os olhos do céu e se volta para a terra. Para o que nos é próximo. Ao que nos toca. Nem que isso seja os relâmpagos da chuva, que teimam em entrar pela janela. Talvez isso comprometa seu caminho para sempre. Mas talvez, um talvez bem remoto na verdade, esse seja o seu caminho, o seu objetivo.
Olhou mais uma vez para a janela, moveu a cabeça tentando sacudir o cabelo e tirar a irritante franja dos olhos. Fechou a janela e foi dormir.