segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Capítulo I
Escadarias, 1
Certo, a história poderia começar assim, aqui, desta forma, de maneira um tanto lerda e lenta, neste reduto neutro que é de todos e não é de ninguém, onde as pessoas se cruzam quase sem se ver, onde a vida do prédio repercute, distante e regular. Do que se passa por de trás das pesadas portas dos apartamentos só se percebem no mais das vezes os ecos perdidos, os fragmentos, os esboços, os contornos, os incidentes ou acidentes que se desenrolam nas chamadas “partes comuns”, esses leves ruídos de feltro que os gastos tapetes de lã vermelha abafam, esses embriões de vida comunitária que vão sempre se deter nos patamares. Os habitantes de um mesmo prédio vivem a apenas algum centímetros uns dos outros, uma simples divisória os separa, partilham os mesmo gestos ao mesmo tempo, abrir a torneira, dar descarga, acender a luz, pôr a mesa, algumas dezenas de existências simultâneas que se repetem de andar em andar, de prédio em prédio e de rua em rua.
Perec, Georges. Vida Modo de Usar

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