sexta-feira, 31 de julho de 2009

Lendo uma entrevista despetenciosamente, deparo-me com um trecho interessante:

"Ladra de livros, ladra também de palavras, essa escritora que não evoca em seu texto e em seu depoimento, nenhum gesto convencional do autor contemporâneo, subtamente me faz lembrar Borges, esse bruxo da linguagem, também ele ladrão de idéias e de palavras. Talvez a isso se deva esse gesto radical de depapropriação do autor: são os objetos (as palavras) que nos chamam, e não o contrário." (Entrevista - Encontros com escritoras portuguesas - Lúcia Castelo Branco)


Sempre roubamos palavras que não nos pertencem, apenas nos apropriamos delas momentaneamente. Para logo também sermos roubados...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.



As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.



O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.



O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos , raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.



Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.



Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.



Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

terça-feira, 28 de julho de 2009


A um passo de lançar-se no vazio.
A vertigem não é o medo da queda.
Mas o desejo de cair.
O medo vem da consciência desse desejo oculto.
Por um instante, faltar o chão.
Mas também não sentir o peso.
Planar na leveza do espaço vazio.
Sem culpa.
Conciliar-se com o espaço a sua volta.
Com o vazio que nos cerca.

Foto: Marilia Sette

segunda-feira, 27 de julho de 2009

domingo, 26 de julho de 2009



Folhas brancas de papel sobre a escrivaninha. Há quanto tempo elas estavam ali? O tempo passava. Estações mudavam. Vi as árvores perderem suas folhagens. O frio entristecer o dia. Depois as flores renascerem. Colorir o jardim. Mas as folhas sobre a escrivaninha continuavam em branco. Tocadas apenas pelos grãos de poeira que se acumulavam sobre elas. A primeira já tinha traços claros amarelos do tempo. Mas sua caneta permanecia imóvel, ao lado das folhas, sem tocá-las. Eu percebia todas as mudanças. Meus olhos acompanham as passagens. A forma como o tempo modificava o papel. Mas mesmo envelhecido ele permanecia em branco. O vazio branco.

sábado, 25 de julho de 2009

- Não estou lhe entendo!!!
Ele repetiu
- ____________________
- Desculpe-me mas o que você está dizendo não faz o menor sentido.
E mais uma vez o mesmo som saiu da boca dele:
- ____________________
Mas ela não compreendia. As palavras não faziam sentido. Apesar de ordenadas corretamente e conhecidas para ela. Não conseguia compreender.
Mais uma vez ele tentou dizer, com outras palavras que buscavam dar o mesmo sentido.
- _______________________________
Nos olhos dela estava claro sua perplexidade.
- Eu ouço as palavras, mas não compreendo o sentido. O que você que me dizer?
Com grande paciência ele repetiu:
- _________________________ ________________ _____________ _________ ________________ _________________ _________________
Mas ainda assim nada. Ela não conseguiria compreender. Era como se tivessem se desencontrado. Um não conseguia mais compreender o outro. Ou melhor, ela não conseguia dar sentido ao que ouvia. Tentava compreender por outros meios, observava os olhos dele, o movimento das mãos. Mesmo a respiração. Mas não conseguia traduzir nada. Estavam estagnados na incompreensão. Mas ela não tinha tanta culpa. Provavelmente se ela dissesse algo para ele tal como o que ele dizia, provavelmente ele também não a compreenderia.
Estavam os dois presos nesse dilema. Ele falava e ela não entendia. Então quando ele estava para desistir de dizer e ir embora.
Ela segurou suas mãos, olhou fundo em seus olhos, respirou fundo como se pudesse absorver o sentido pelo ar e disse:
- Repete só mais uma vez
- ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬______________________
- Imagino que sim. Respondeu com um sorriso.
Incapaz de traduzir ela simplesmente resolveu imaginar algo que poderia se adaptar e continuou.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

quinta-feira, 23 de julho de 2009

- Já está pronto? Sussurro
- Não... Ainda não... Aguarde.
Como uma criança aflita que espera o final de uma longa viagem não resisto. Pergunto de novo.
- Agora? Dessa vez em voz alta. Olhando em seus olhos.
Você sorri.
- Mulher exasperada!
Sorrio. É verdade penso. Foi uma longa jornada até aqui. Não que seja o final. Nem mesmo um novo começo. São apenas muitas as coisas que tem acontecido ao mesmo tempo em minha vida.
Mais uma vez pergunto. Docemente, como um sussurro que me escapa.
- Agora?
Dessa vez você não me responde. Apenas me olha.
O tempo é sorrateiro. Talvez tenhamos nos encontrado no espaço, mas não no tempo. Ainda mais quando o tempo passa de maneira tão diferente dependendo do lugar em que se está. Você no alto da montanha. Eu em alto mar.
Digo:
- Para você a serenidade da brisa da manhã. Para mim, os ventos e trovões de uma noite tempestuosa.
Você sabe, mas não me diz nada. Não que hesite. Apenas não chegou a hora.
Minutos se passam em silêncio. Levanto meus olhos e mais uma vez nos encaramos.
Seus dedos pousam em meus lábios.
- Será a sua perdição. Te peço, não, te imploro, não pergunte.
- É mais forte que eu.
Ainda não saiu o som da minha boca. Mas meus olhos dizem. Meu corpo diz. E os seus compreendem. Assim sem dizer mais uma vez repito.
Agora?
E você se desvanece.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

No quarto, sapatos sobre a cama, roupas espalhadas, dois corpos no chão. Abriu os olhos. Olhou ao redor, ainda era confuso como chegara àquele ponto. Ela queria, muito. Mas como? Olhou para aquele que a abraçava. Aninhou-se em seu peito. Suspirou. Seria isso que queria? A dúvida novamente aparecia. Era certo? Seria bom para ela? Provavelmente não. Gostava de repetir o erro. Não sabia como evitar. A história se repetia sempre. A mesma coisa. Por que repetir? Por que não conseguia escapar? Sabia que quando ele acordasse, a noite estaria acabada. A magia do encontro se acabaria. O mundo real os tragaria. Os problemas, tudo aquilo que já não dera certo das outras vezes.
A noite tinha sido boa. Repetir sempre, com descompromisso, sem seriedade. Era assim que eles davam certo. Diversos momentos efêmeros, sem a obrigação da continuidade. A única forma que poderiam dar certo. O mundo real não permitia que se gostassem. Apenas a fantasia do impossível era capaz de uni-los.

terça-feira, 21 de julho de 2009



Pisava nos astros distraida.....

domingo, 19 de julho de 2009

Olho mais uma vez para a mesa de apostas. Lá estão minhas ultimas fichas. A roleta ainda gira. O tec tec vai ficando mais lento. Logo irá parar. Sei que foi minha ultima jogada. Mas não tenho mais nada a perder. Espero o tempo passar. O tempo é relativo. Para mim caminha em uma velocidade. Logo a potência ira se perder e o resultado será dado.
Tec.
Tec..
Tec...
Tec....
Tec…..
Tec........
Tec.
Parou.
Ouço o som do resultado, mas não o assimilo. Meus olhos ainda estão pousados nas fichas da ultima aposta. Se venci? Apenas não será a ultima aposta e o jogo continua. O crupiê passa o rodo. Recolhe minhas fichas. É o momento de me retirar.

sábado, 18 de julho de 2009

Piscou os olhos. A claridade incomodava. A rápida oscilação entre a escuridão e a luz era mais confortável. Suspirou. No jardim a sua frente crianças brincavam, um cão corria. Uma cena de felicidade. Mas diante disso mais uma vez piscava. Ver, e não ver. Ver, mas não registrar o que foi visto. Ver, mas também esquecer. Iludia-se em afirmar que tinha seus motivos. Sua tristeza para muitos poderia ser irracional. Ilógica. Mas sentia um descontentamento dentro de si. Uma angústia. Ou seria um desassossego? Uma inquietação? Sorriu para um conhecido que encontrou. Aquele encontro a obrigaria a sair de seu estado de contemplação. Durante as próximas horas nem se lembraria do sentimento que a incomodava. Mas nesse mesmo dia, quando fosse se deitar e piscasse os olhos mais uma vez, só que dessa para se acostumar à escuridão. Como um turbilhão o sentimento retornaria. Muito mais forte e até mesmo assustador, pois durante a noite, sozinha em seu quarto, não poderia recorrer à pequenas distrações.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sentada em meu quarto, palavras brincam com meus cabelos. Saltam, rodopiam. Mas se recusam em permanecerem estáticas no papel. Tento pegá-las, mas me escapam. O que virá a seguir? Ainda não é o momento do silêncio. Mas será um momento incompleto. Pressinto algo. Olho o céu azul a minha frente. Desafia os prédios para me mostrar o entardecer. Mais um dia se vai. Hoje não temo a noite, queria poder dizer. Mas ainda estremeço diante dela. Faz muito tempo que a noite não me acalenta com bons sonhos. Adormecer tem sido apenas abandonar-me num vazio. Sem sentidos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

É o dia 23 de junho de 1975, e vão dar oito horas da noite. Sentado diante do puzzle, Bartlebooth acaba de morrer. Sobre a toalha da mesa, nalgum lugar do céu crepuscular do quadringentésimo trigésimo nono puzzle, o vazio negro da única peça ainda não encaixada desenha a silhueta quase perfeita de um X. Mas a peça que o morto segura entre os dedos, já há muito prevista em sua própria ironia, tem a forma de um W.
Vida Modo de Usar – Georges Perec

domingo, 12 de julho de 2009



Edward Hopper

As pessoas passam. Cada um com o seu caminho, apenas como figurantes na vida. Uns correndo, outros andando. O que passa na cabeça deles? A mulher sentada no bar, sozinha, olhando para o copo. Onde ela está? Quais sonhos e frustrações ela viveu? O olhar perdido no vazio não se adquire nos percalços da vida. Nasce-se com ele. E sem ele perder-se-ia da existência.
Uma árvore no topo da montanha. Solitária. Isolada de tudo. Apenas o vento pode tocá-la. Apenas ele pode alcançá-la. Às vezes calmo como uma carícia, às vezes tempestuoso como o ódio. Ela parece alheia ao mundo. Mas todos se enganam. Do alto, ela observa. Presta atenção em tudo o que acontece. Apreendendo. Atenta aos mínimos detalhes das coisas. Muitos chegam a tentar enganá-la. E muitas vezes ela fecha os olhos quando lhe é conveniente. Mas ela vê. Para isso serve sua solidão no topo da montanha. Se tivesse companhia...
O que teria sido diferente?

sábado, 11 de julho de 2009

Quadro a quadro as imagens vão se formando. Cada porção de tempo contém um traço a mais a ser somado aos outros. O espectador espera. Supõe possíveis configurações, ora acerta ora erra. Muitas vezes os traços acrescidos parecem não se conectar aos demais. Há vezes que o espectador tem a impressão que nada se modificou. Ora as modificações são tão intensas que muitas das informações se perdem. Não há respostas prontas. A vida é uma película quase infinita que sobrepõe os acontecimentos como frames que só permitem a noção de movimento quando se esquece o anterior. Apagamento, sobreposição. Explora a maior característica da lembrança que é o esquecimento. Mas a idéia de infinito desaparece, muitas vezes sem completar a imagem, outras bem depois de completá-la. Então, quando o ultimo frame aparece, o projetor se trava, sempre igual. Um fundo preto e apenas três letras. FIM

sexta-feira, 10 de julho de 2009




Brincando com som e imagem

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O Mar ia
Mal chegava
Já deixava
Apenas ia
Levava muito
Como também
Trazia
E assim
O Maria

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Mais que os diálogos do filme, amo o que não é dito.

As folhas começavam a cair. Já estavam secas. Ela observava a paisagem da janela de seu quarto. Era seu tinha muito pouco tempo, e esta era a primeira mudança de estação que podia observar dali. As ruas estavam cheias de folhas que caíram durante a noite. Tomava seu café olhando pela janela. O dia ainda amanhecia. Tímido. Mas imaginava que ainda mais agora o dia não se inundaria de luz como antes... Numa outra época e em outro lugar... Seu momento de contemplação estava acabando. Apesar da pouca luz precisava começar seu dia. Daí em diante os dias ficariam mais e mais escuros e provavelmente não iria mais poder esperar que o dia já estivesse completamente claro para iniciar seu trabalho. Tomou o último gole de café. Colocou a xícara sobre a mesa. Levantou-se. Respirou fundo. Olhou mais uma vez pela janela. Em seguida pegou a xícara vazia, deu as costas para a janela e seguiu para a cozinha. Retornou uns minutos mais tarde. Sentou-se agora de costas para a janela e contemplou a folha em branco. Mais um dia começava.

segunda-feira, 6 de julho de 2009


Maurits Cornelis Escher - Relativity (1953)


O que passou ficou na memoria. No labirinto da mente ficam as lembranças. Quando entramos nele, somos inevitavelmente devorados pelo minotauro que o vigia.
Edward Hooper













A moça pousava seu dedo indicador sobre uma tecla do piano. Qual? Não importava. Do, sol, lá, mi, nem ela saberia dizer. Seu olhar estava perdido, distante dali. Provavelmente nem se dava conta que pousava seu dedo na tecla do piano.
Ele lia o jornal. Tão absorto pelas notícias que nem sequer saberia dizer o que havia lido quando terminasse de ler.
Assim se encontrava o casal. Separados fisicamente apenas por uma pequena mesa. Mas tão isolados que poderia se dizer que se encontravam na mais absoluta solidão. Os mais aflitos logo concluiriam que já não mais se amavam. Mesmo os dois poderiam supor que já não havia amor ali, se tivesse consciência do momento e da cena que provocavam. Mas não, ainda se amavam. Pois mesmo com o amor há sempre o desencontro. E esse vazio não consegue encontrar vasos que o contorne.

domingo, 5 de julho de 2009


Just the bang and the clatter
As an angel hits the ground.

sábado, 4 de julho de 2009

Estava mais uma vez sozinha, a chuva caia lá fora, e, em seu quarto, escuro e o silêncio. Havia sons, mas não havia palavras. Eu não tinha ninguém com quem conversar. Como eu poderia explicar tudo? Nem em minha cabeça encontrava as palavras corretas, na ordem correta. Tudo estava desordenado. Tentei explicar aos outros. Acreditei que poderia existir alguém que conseguisse me explicar o que não compreendia. Poucos chegaram a me ouvir, mas não consegui nada. Todos desistiam. Logo se revelava uma árdua tarefa. Uns poucos absorveram a dúvida, mas ninguém conseguiu me explicar. Então entrei para meu quarto e lá permaneci. O tempo não importava. Calar-me parecia ser a solução, silenciar todas as palavras. Talvez esquecesse as palavras desordenadas que me afligiam. Estava esquecendo as palavras. Entretanto, não só as que desejava esquecer, mas todas. Muitas eu não soube pronunciar, esqueci dos sons. Outras pareciam mais impregnadas em meu corpo. Tentei encontrar o nome, a palavra capaz de designar o lugar onde estava sentada olhando por outra coisa que se abria para um lugar mais amplo. Não achei. Foi quando percebi que trilhava um caminho sem volta. As palavras se perderiam. Decidi pensar nas palavras que ainda me restavam. Na primeira tentativa consegui lembrar várias palavras, bem como seus significados. Eram muitas menos que um dia eu soube. Continuei ali sozinha. Sabia que o problema ainda não se resolvera. Fiz mais uma vez o teste, talvez as palavras confusas tivesse desaparecido. Sabia bem poucas, mas dentre elas ainda continha confusão. Várias vezes repeti o ritual e sempre ainda restava a confusão. Até que lembrei apenas uma palavra. Não sabia o que significava. Chuva. Foi quando tudo havia começado.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

"É preciso aprender a admirar a chuva". Escreveu a frase, tragou mais uma vez o cigarro que queimava na outra mão. Levantou a cabeça, sacudiu a franja que caia nos olhos e olhou novamente para a janela.
O som calmo da água encontrando seus obstáculos.
A chuva é a água que retorna. Ou pelo menos tenta. Nem sempre cai reta, na verdade quase sempre cai torta.
Os relâmpagos....
Bem os relâmpagos iluminam o caminho da chuva para que ela não se perca.
Os trovões....
Bem os trovões são as notas dissonantes que completam a melodia da chuva.
Numa noite de chuva não há estrelas. É um momento em que se retira os olhos do céu e se volta para a terra. Para o que nos é próximo. Ao que nos toca. Nem que isso seja os relâmpagos da chuva, que teimam em entrar pela janela. Talvez isso comprometa seu caminho para sempre. Mas talvez, um talvez bem remoto na verdade, esse seja o seu caminho, o seu objetivo.
Olhou mais uma vez para a janela, moveu a cabeça tentando sacudir o cabelo e tirar a irritante franja dos olhos. Fechou a janela e foi dormir.