Passa uma borboleta diante de mim
E pela primeira vez no universo eu reparo
Que as borboleta não tem cor nem movimento
Assim como as flores nao tem perfume nem cor.
A cor e que tem cor nas asas da borboleta.
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
Alberto Caeiro
domingo, 23 de agosto de 2009
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
domingo, 16 de agosto de 2009
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Manuel Bandeira
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Manuel Bandeira
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
História.
Eis que me surpreendo sem saber como seguir. Tal como minha personagem. Fico paralisada. Enquanto ela permanece deitada, sentindo o chão. Sento-me diante da folha em branco. Talvez não tenha dado o devido tempo de maturação do texto. Talvez ele tenha se encerrado sem que eu percebesse. Ainda não sei. Precisarei de tempo. Talvez seja uma exigência da personagem. Permanecer dias, anos, na mesma posição. Até que ela esteja pronta para ir embora ou entrar na casa e para que, então, eu continue contando sua história.
Eis que me surpreendo sem saber como seguir. Tal como minha personagem. Fico paralisada. Enquanto ela permanece deitada, sentindo o chão. Sento-me diante da folha em branco. Talvez não tenha dado o devido tempo de maturação do texto. Talvez ele tenha se encerrado sem que eu percebesse. Ainda não sei. Precisarei de tempo. Talvez seja uma exigência da personagem. Permanecer dias, anos, na mesma posição. Até que ela esteja pronta para ir embora ou entrar na casa e para que, então, eu continue contando sua história.
A casa estava vazia há anos. Várias camadas de pó acumularam-se. Os forros sobre os móveis um dia foram brancos, mas já haviam amarelado. Vários comidos por traças. Esburacados.
As cordas do piano haviam se rompido. Tudo cheirava a pó, história e passado.
Onde havia existido um belo jardim, tudo estava seco. A terra trincada. A pouca umidade da região contribuíra pra que tudo ali definhasse.
O portão enferrujado a convidava a permanecer ali. Sem transpor os umbrais do passado.
Sempre temera retornar. Imaginara essa ação várias vezes. Adiara o momento. Fizera o máximo para não precisar ir ali.
Parada em frente ao portão, permitiu-se lembrar. Transportou-se ao passado. Sua avó, cuidando do jardim.
Horas e horas, aquela pessoa tão carinhosa de sua infância gastava catando as folhas caídas. Conversando com cada planta, cada folha. Era um jardim que causava inveja aos vizinhos. Muitas de suas amigas na infância evitavam entrar. Tinha medo do jardim. O diziam ser encantado. Ela nunca se importara, a bem da verdade, muitas vezes inventara histórias mirabolantes. E uma vez, tão tomada por suas próprias histórias quase morreu intoxicada. Riu por um instante. E nesse instante se esqueceu por que há tanto tempo não entrava ali. Era o que precisava. Deu um passo em direção ao portão. Queria correr por aquele jardim encantado. Mas o rangido do portão a trouxe a realidade. E com a mão tocando a fria grade deixou-se paralisar mais uma vez.
Na verdade quase tombou frente a tamanha descoordenação de movimentos. E assim. Quando se deu conta, percebeu que o que a sustentava, era o portão. Aquelas grades de ferro suportavam seu peso. E ela não desmoronou em frente a casa apenas por seu auxílio.
Não! Não podia agüentar aquilo. Não era a hora de entrar. Não estava preparada.
Lentamente foi se aproximando do chão. Permitindo que a atração à terra fosse mais forte que ela. Não tinha forças para resistir mais. Logo estava de joelhos. Mas precisava se aproximar ainda mais daquela terra ressequida. Queria senti-la nas mãos, na barriga, no rosto.
Deitou-se no chão.
Em frente ao velho portão deitou-se apenas.
Não olhava o céu. Seu rosto, voltado para a terra, não via nada. Apenas se deixava ser invadida pelas lembranças. Sabia que não estava pronta. Mas não tinha como voltar. Não tinha meios para se fechar novamente do passado.
Agora tudo viria.
Respirou fundo. Inalava a terra. Junto o passado entrava em seu pulmão. Corria por suas veias. Preenchendo todo o seu corpo. Como um veneno que aos poucos a consumia.
As cordas do piano haviam se rompido. Tudo cheirava a pó, história e passado.
Onde havia existido um belo jardim, tudo estava seco. A terra trincada. A pouca umidade da região contribuíra pra que tudo ali definhasse.
O portão enferrujado a convidava a permanecer ali. Sem transpor os umbrais do passado.
Sempre temera retornar. Imaginara essa ação várias vezes. Adiara o momento. Fizera o máximo para não precisar ir ali.
Parada em frente ao portão, permitiu-se lembrar. Transportou-se ao passado. Sua avó, cuidando do jardim.
Horas e horas, aquela pessoa tão carinhosa de sua infância gastava catando as folhas caídas. Conversando com cada planta, cada folha. Era um jardim que causava inveja aos vizinhos. Muitas de suas amigas na infância evitavam entrar. Tinha medo do jardim. O diziam ser encantado. Ela nunca se importara, a bem da verdade, muitas vezes inventara histórias mirabolantes. E uma vez, tão tomada por suas próprias histórias quase morreu intoxicada. Riu por um instante. E nesse instante se esqueceu por que há tanto tempo não entrava ali. Era o que precisava. Deu um passo em direção ao portão. Queria correr por aquele jardim encantado. Mas o rangido do portão a trouxe a realidade. E com a mão tocando a fria grade deixou-se paralisar mais uma vez.
Na verdade quase tombou frente a tamanha descoordenação de movimentos. E assim. Quando se deu conta, percebeu que o que a sustentava, era o portão. Aquelas grades de ferro suportavam seu peso. E ela não desmoronou em frente a casa apenas por seu auxílio.
Não! Não podia agüentar aquilo. Não era a hora de entrar. Não estava preparada.
Lentamente foi se aproximando do chão. Permitindo que a atração à terra fosse mais forte que ela. Não tinha forças para resistir mais. Logo estava de joelhos. Mas precisava se aproximar ainda mais daquela terra ressequida. Queria senti-la nas mãos, na barriga, no rosto.
Deitou-se no chão.
Em frente ao velho portão deitou-se apenas.
Não olhava o céu. Seu rosto, voltado para a terra, não via nada. Apenas se deixava ser invadida pelas lembranças. Sabia que não estava pronta. Mas não tinha como voltar. Não tinha meios para se fechar novamente do passado.
Agora tudo viria.
Respirou fundo. Inalava a terra. Junto o passado entrava em seu pulmão. Corria por suas veias. Preenchendo todo o seu corpo. Como um veneno que aos poucos a consumia.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
sábado, 8 de agosto de 2009
Monet
O tempo muda a forma como vemos as coisas. No início logo ao amanhecer a luz ainda apenas se esboça. Tudo ainda é nebuloso, não se distingue as formas. O tempo age. A luz vai se tornando mais intensa, os contornos vão se delineando, as coisas ficam mais claras. É só então que enxergamos com clareza. Mas mesmo vendo as formas, cada linha, cada traço. Ainda me encanta o lusco-fusco.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Capítulo I
Escadarias, 1
Certo, a história poderia começar assim, aqui, desta forma, de maneira um tanto lerda e lenta, neste reduto neutro que é de todos e não é de ninguém, onde as pessoas se cruzam quase sem se ver, onde a vida do prédio repercute, distante e regular. Do que se passa por de trás das pesadas portas dos apartamentos só se percebem no mais das vezes os ecos perdidos, os fragmentos, os esboços, os contornos, os incidentes ou acidentes que se desenrolam nas chamadas “partes comuns”, esses leves ruídos de feltro que os gastos tapetes de lã vermelha abafam, esses embriões de vida comunitária que vão sempre se deter nos patamares. Os habitantes de um mesmo prédio vivem a apenas algum centímetros uns dos outros, uma simples divisória os separa, partilham os mesmo gestos ao mesmo tempo, abrir a torneira, dar descarga, acender a luz, pôr a mesa, algumas dezenas de existências simultâneas que se repetem de andar em andar, de prédio em prédio e de rua em rua.
Perec, Georges. Vida Modo de Usar
Escadarias, 1
Certo, a história poderia começar assim, aqui, desta forma, de maneira um tanto lerda e lenta, neste reduto neutro que é de todos e não é de ninguém, onde as pessoas se cruzam quase sem se ver, onde a vida do prédio repercute, distante e regular. Do que se passa por de trás das pesadas portas dos apartamentos só se percebem no mais das vezes os ecos perdidos, os fragmentos, os esboços, os contornos, os incidentes ou acidentes que se desenrolam nas chamadas “partes comuns”, esses leves ruídos de feltro que os gastos tapetes de lã vermelha abafam, esses embriões de vida comunitária que vão sempre se deter nos patamares. Os habitantes de um mesmo prédio vivem a apenas algum centímetros uns dos outros, uma simples divisória os separa, partilham os mesmo gestos ao mesmo tempo, abrir a torneira, dar descarga, acender a luz, pôr a mesa, algumas dezenas de existências simultâneas que se repetem de andar em andar, de prédio em prédio e de rua em rua.
Perec, Georges. Vida Modo de Usar
domingo, 2 de agosto de 2009
sábado, 1 de agosto de 2009
Através - Cildo Meireles
De pés descalços caminho sobre cacos de vidro. Rumo conseguir transpor, atravessar. Sinto-os furando minha pele. A cada passo, somam-se cacos. Sangro, e assim deixo um pouco de mim pelo caminho. Meu próprio peso é que me fere. Mas junto a isso sinto todo o poder da escolha do próximo passo. No momento avançar ou retroceder machucará. Não comecei a caminhar sobre os cacos de forma deliberada. Apenas me dei conta do caminho que trilhava quando já estava nele.
Assim, decido avançar para o sonho, para a desrazão;
Sim, nos machucamos em busca de uma luz. E esta não é nada além de uma bola iluminada de celofane. Ilusões. Disso não escapamos.
Mas sempre podemos buscar os peixes que nadam no ar.
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